terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mexilhões e Vexame

Partilhar
Artigo Publicado no Barlavento Online em 15 de Setembro de 2009

Tribuna Livre

Mexilhões e vexame


Foto
Luís Ganhão

Numa economia de mercado, a actividade empresarial é determinada pela procura do lucro, ou seja, a diferença entre os custos de produção de um produto e o respectivo preço de venda.

Por sua vez, nos designados custos de produção, não só entra o factor «trabalho», mas muitos outros, como o da «energia», das «telecomunicações», dos «juros de créditos bancários», etc.

Ora, não deixa de ser curioso que em nome da «crise» e da «competitividade» se fale, quase sempre, na exigência de se baixar os custos do «trabalho», ou seja, congelar/reduzir salários ou, pura e simplesmente, despedir, e muito pouco ou nada dos outros factores de produção!

Porque não se pede às empresas fornecedoras de energia, de telecomunicações, à banca, etc., que, em nome da competitividade de quem se encontra em dificuldade no mercado, baixem os preços da electricidade, do gasóleo, dos telefones ou das taxas de juros por si praticadas?

Porque isso seria contra o «sistema», seria mexer nos lucros, por sua vez, das ditas empresas, nos interesses dos respectivos accionistas, pelo que quem se procura sempre «lixar» é o «mexilhão» do trabalhador, como se, de resto, até, a crise vivida por quem se vê sem emprego, seu único ganha-pão, fosse igual à de quem tendo perdido uns milhares na bolsa, não deixou, mesmo assim, de ficar com uns milhões depositados num qualquer banco localizado numa qualquer off shore!

Como, ainda há pouco, denunciava a Igreja Católica, não tem faltado por aí, bem pelo contrário, a fúria do lucro rápido e fácil, sem ética e preocupações algumas de ordem social, procurando «espremer», acrescentamos nós, o mais que pode quem tem, apenas, para vender a sua força de trabalho.

Não saibam, pois, os trabalhadores, nomeadamente em volta das suas organizações sindicais, unir-se e resistir, exigindo que, a haver sacrifícios, toque a todos, que não, apenas, a eles, e ainda um dia destes se irão ver, de descida em descida de degrau, a água e arroz como na China!

Fruto, por um lado, dum mercado em que a oferta tende a ser cada vez maior que a procura e, por outro, não deixar de haver, generosamente, quem teime em não recusar patrocínio a quem dele precise e não o possa pagar, são cada vez mais os advogados que se têm visto reconduzidos, enquanto «defensores oficiosos», à quase qualidade de «funcionários públicos», tratados pelo Estado sem consideração alguma!

Na verdade, como já aqui tivemos oportunidade de escrever, em nome do «acesso ao direito» (que acaba, curiosamente, por beneficiar, não apenas, os economicamente carenciados, mas mesmo aqueles que podendo contratualizar um advogado, optam, todavia, por um «oficioso», por saberem que lhes ficará mais barato e com garantia de que não deixará de ser defendido com empenhamento, como acontece em sede de processo penal), não só os ditos advogados são remunerados por uma «tabela oficial» de honorários que poria, por exemplo, o Governador do Banco de Portugal a rir à gargalhada, como só lhes pagam o devido, honorários e todas as despesas por si suportadas, a final do processo em que foi chamado a intervir, o que poderá só ocorrer passados meses ou anos!

Ou melhor, seria suposto receberem no final do processo, porque aquilo que se tem vindo, sistematicamente, a observar, é que uma vez o processo findo, decorrem, entretanto, mais uns quantos meses até que tal recebimento se verifique!

Isto, para já não falar em escalas em que são obrigados a permanecer de «plantão» por um período de vinte e quatro horas, seja Domingo ou Feriado, mas, a dar-se o caso de não serem chamados a intervir, nada recebem a título compensatório por todo esse período de tempo em que se viram limitados nos seus movimentos., como não poderem sair para fora com a família a dar um passeio ou irem a uma simples sessão de cinema.

Em nome do bom nome da Banca, o Estado tem injectado milhões na dita, como se pode observar no caso BPN, já quanto à Justiça continua a tratá-la como enteada, coisa menor.

Mais uma vez deixa-se a pergunta: durante quanto tempo mais os advogados vão permitir este vexame, incapazes de se defenderem a si próprios?


*Advogado

14 de Setembro de 2009 | 11:52
Luís Ganhão*

Sem comentários: