sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

0 papel do advogado numa nova política de justiça

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Os mais de 26 mil advogados que exercem em Portugal constituem uma excelente rede de atendimento aos cidadãos

Tradicionalmente, a função do advogado exerce-se em dois planos, que podem ou não encadear-se no tempo: o plano extrajudicial e o plano judicial.

A actuação extrajudicial do advogado é um vasto campo de actividade, e numa época em que se proclama a necessidade dos meios alternativos de resolução de litígios, é o campo privilegiado para o conseguir.

Os advogados, que a constituição e a lei consideram essenciais à administração da justiça e à concretização do Estado de direito, são os únicos profissionais que podem assegurar uma mediação de conflitos capaz de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

São os advogados, munidos de uma rigorosa formação jurídica, da exigência ética do seu estatuto profissional e da sua habilidade em convencer pela boa argumentação, que, no sossego dos seus escritórios, resolvem quotidianamente milhares de litígios.

Fazem-no adoptando uma atitude de respeitosa colaboração com os colegas que representam as contrapartes, mas com a absoluta garantia de defesa dos direitos dos seus clientes. Contribuem assim para aliviar os tribunais de muitos litígios, que não chegam a ser-lhes submetidos ou se resolvem sem necessidade de julgamento.

Mas a verdade é que a actual linha política não parece valorizar este inegável papel dos advogados. É claro que os advogados portugueses não pretendem qualquer reconhecimento ou proteccionismo especial do poder político. O que reclamam de uma administração obcecada pela simplificação de procedimentos através da utilização da tecnologia informática, num perigoso movimento de desjudicialização, é que lhes seja reconhecido o estatuto de mediadores, por excelência, tanto na resolução extrajudicial de litígios como na formalização de relações jurídicas.

Percebendo que os advogados são os primeiros interessados num sistema de justiça que responda aos legítimos anseios dos cidadãos e satisfaça as justas necessidades das empresas, impõe-se uma nova política de justiça, que veja os advogados como seus aliados e valorize adequadamente o seu papel. Para isso não basta uma reforma. É necessária uma mudança de paradigma. Há que trazer a simplificação de procedimentos para dentro dos tribunais, em vez de lhes ir retirando sucessivamente competências e dificultar o acesso por via do aumento das custas.

É preciso dotar os tribunais de meios técnicos e humanos suficientes para assegurar o seu eficaz funcionamento. As leis de processo têm de ser agilizadas, impondo o princípio da prevalência da substância sobre a forma, de modo a que as decisões supram oficiosamente os vícios processuais que não sejam indispensáveis à percepção do mérito das causas.

A mediação só pode ser exercida de forma livre e eticamente responsável com a participação activa dos advogados, caucionados pelas suas garantias de independência, prerrogativas legais de actuação e efectiva responsabilização deontológica. Os mais de vinte seis mil advogados que exercem a sua profissão em Portugal, desde sempre habituados a trabalhar uns com os outros, constituem uma excelente rede de atendimento aos cidadãos, cuja extensão jamais será alcançável por qualquer rede pública de balcões únicos ou do tipo “tudo na hora”.

Esta extensa rede de pontos de atendimento aos cidadãos e às empresas constituída pelo vasto conjunto dos advogados portugueses é tanto mais eficaz quanto está hoje apoiada numa Ordem profissional fortemente prestigiada e dotada de poderosos meios técnicos e humanos. De facto, a Ordem dos Advogados levou a cabo uma notável revolução tecnológica na forma de exercício da advocacia, proporcionando hoje a todos os advogados portugueses uma assinatura com certificação digital avançada e um portal na Internet cuja dimensão e funcionalidades não têm paralelo com o de qualquer outra ordem profissional.

É paradigmática a forma como foi posto a funcionar pelo actual Conselho Geral da Ordem dos Advogados, em tempo recorde e com o mínimo de falhas, o sistema informático de gestão do apoio judiciário (SINOA), que simplificou extraordinariamente a vida dos cidadãos que a ele recorrem e dos advogados que nele trabalham.

No mundo tecnológico e globalizado em que vivemos, é forçoso que os advogados continuem a vaga de modernização dos seus métodos de trabalho, mas não podemos esquecer que a nota distintiva da advocacia em relação a qualquer “balcão único” ou “portal electrónico do cidadão”, que importa preservar a todo o custo na actual sociedade desumanizada, é o carácter exclusivo e inviolável da relação pessoal entre o advogado e o seu cliente. Para além do seu papel de conselheiro técnico jurídico e fazendo jus ao seu étimo de “consolador”, o advogado não encara o cliente como um mero transmissor de factos, mas vê-o na sua integralidade de pessoa, que procura nele respostas para as suas dúvidas, mas também um confidente com quem possa partilhar as suas inquietações.

Autor: António Barreto Archer - Advogado e Engenheiro
Fonte: Jornal O Público
Data: Quinta-feira, 17 de Setembro de 2009

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