sábado, 10 de julho de 2010

Ministro trava revolução nas salas de julgamentos

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Tribunal tinha ordem para rebaixar bancada do MP ao nível dos advogados


NUNO MIGUEL MAIA E TERESA CARDOSO - JN

Até há poucos dias, o Instituto de Gestão Financeira do Ministério da Justiça tinha tudo pronto para rebaixar a bancada do Ministério Público no Tribunal de Castro Daire ao nível dos advogados. Mas o procurador distrital do Porto ripostou e o ministro travou a obra.
Seria uma autêntica revolução na arquitectura das salas de audiências dos tribunais. Sugerida em tempos por vários advogados e pelo bastonário António Marinho e Pinto - e pensada inclusive pelo anterior ministro, Alberto Costa -, a proposta passou a escrito pelo responsável da delegação da Ordem dos Advogados de Castro Daire, distrito de Viseu. João Sevivas invocou o princípio de igualdade de armas entre acusação e defesa, para exigir que a secretária do procurador do MP na sala de audiências deixasse de estar ao nível da dos juízes e fosse rebaixada até ao nível dos advogados.
A ideia chegou mesmo a ser aceite pelo organismo responsável tutelado pelo Ministério da Justiça. E no passado dia 29, um despacho do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça aprovou e atribuiu a "empreitada de nivelamento do estrado" naquela sala de audiências. O trabalho custaria 8748 euros, com IVA incluído, e seria executado em 20 dias.
Todavia, a situação resultou em escândalo. Alberto Pinto Nogueira, procurador-geral distrital do Porto e responsável máximo pelo MP no Norte do país, chegou mesmo a redigir um despacho interno com instruções claras: quando a obra terminasse, a procuradora de Castro Daire deveria deixar de ir aos julgamentos e recorrer de todos os despachos de eventual decisão de substituição, por parte dos juízes. E iria ser transferida para a Régua. O acto do instituto dependente do Ministério da Justiça, à revelia da Procuradoria, foi classificado como um "vexame" e uma afronta ao "estatuto constitucional do Ministério Público".
Após ter sido divulgado no sistema informático interno do MP, o caso chegou ao conhecimento do actual ministro da Justiça. Alberto Martins decidiu então intervir e travou as obras com o objectivo de rebaixar a bancada dos procuradores E disso deu conhecimento a Pinto Nogueira.
Ao JN, o Ministério da Justiça explicou depois que as obras no Tribunal de Castro Daire destinam-se unicamente a "melhorar as condições" da sala de audiências.
Armas iguais para acusação e defesa
O responsável da delegação da Ordem dos Advogados em Castro Daire justifica o pedido ao Governo pelo entendimento de que, depois da revolução do 25 de Abril, a situação deixou de fazer sentido. "O facto de se desnivelar o púlpito reservado ao Ministério Público em desfavor da banca dos advogados, de maneira alguma nos parece correcto, competindo ao Governo corrigir estas situações que já vêm desde esse tempo", explica. João Sevivas insiste que "o Ministério Público é uma magistratura que não pode ser confundida com a magistratura judicial".
"Mesmo quem não queira ver nele uma parte processual, deve respeitar a manifestação estrutural de uma paridade de armas entre acusação e defesa, entre quem acusa, por norma o MP, e quem defende, o advogado", argumenta, acrescentando não ser "saudável que possa parecer o contrário" e não estar em causa desrespeito pelos representantes do Estado.

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