sexta-feira, 28 de maio de 2010

Advogados dos pobres chamados a devolver pagamentos de despesas

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Instituto da Justiça exige despacho judicial a autorizar despesas, porque detectou irregularidades




São apenas 17 euros, mas por trás do valor está um princípio. Para Laura Coelho a resposta é imediata: não está disponível para devolver um cêntimo. A indignação é partilhada por centenas de colegas advogados. Na semana passada, os profissionais que fazem defesas oficiosas - ou seja, de cidadãos sem rendimentos para contratar advogado e apoiados pelo Estado - receberam uma carta em que lhes é exigido um despacho judicial justificativo das despesas apresentadas ou, em alternativa, que devolvam os valores pagos nos primeiros meses do ano.

A carta enviada pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da Justiça (IGFIJ) está a causar confusão entre os advogados e a clarificação só deverá ser feita, explica o bastonário Marinho e Pinto, numa reunião com o ministro da Justiça, agendada para o próximo dia 1. É que em 2008 entrou em vigor um novo regime do patrocínio oficioso e a gestão de processos e pagamentos passou a ser feita por sistema informático, razão pela qual ninguém consegue responder claramente se se mantém em vigor a exigência de que a autorização de despesas seja feita por despacho de um juiz.

No caso de Laura Coelho, os 17 euros são relativos a dez processos. Feitas as contas, em média são 1,7 euros por processo, relativos a despesas com correio ou transportes. Será necessário que um juiz autorize verbas deste montante? "Se assim for, temos um sistema informático destinado a agilizar que é, afinal, complicado", comenta a advogada Teresa Frias, a quem foi pedida a devolução de 19,60 euros.

Irregularidades. Na carta do IGFIJ, a que o i teve acesso, é explicada a razão desta verificação de contas. "Este instituto tem vindo a constatar a existência de algumas irregularidades no pedido de despesas relacionadas com processos no âmbito do acesso ao direito." O Ministério da Justiça, que tutela o instituto, não esclareceu em tempo útil que irregularidades estão em causa e qual o montante global de despesas.

Marinho e Pinto admite que existam "eventuais" abusos e assegura que a Ordem dos Advogados quer resolver a situação, mas "não é de supetão". O instituto dá aos defensores oficiosos 15 dias para apresentarem despacho judicial a autorizar os pedidos de reembolso de despesas, mas o bastonário sublinha que a lei pode prestar-se a dúvidas de interpretação.

Até 2008, os honorários do advogado eram fixados, efectivamente, por despacho judicial. Mas com a automatização do sistema esse passo foi eliminado e os advogados queixam-se de nunca lhes ter sido explicado se essa exigência se mantinha para as despesas extra-honorários. "O problema é que as regras não estão definidas, designadamente quanto ao tipo de despesas que podem ser apresentadas", explica Nuno Ferrão da Silva. No seu caso, está em causa um montante de 42,33. E cada parcela está "devidamente documentada".

"Quem cria estas plataformas tem obrigação de pensar nas implicações e tem de as explicar aos utilizadores", sublinha Teresa Férias. O SInOA, assim se chama o software informático, permite fazer o registo de todos os passos dados, desde o número de sessões em julgamento a outras parcelas pagas aos defensores, como as visitas a arguidos detidos. Há um item específico para as despesas.

À falta de regras claras, todos admitem que existam abusos. Haverá quem inclua papel, tinteiros, gastos difíceis de contabilizar. No passado, havia experiências para todos os gostos: juízes que autorizavam despesas e outros que as recusavam, considerando que os honorários dos advogados já contemplam todos os extras.

À Ordem dos Advogados têm chegado queixas e pedidos de clarificação, mas Marinho e Pinto explica que apenas tomará posição após o encontro com o ministro Alberto Martins. Até lá, há advogados - como Teresa Frias - que preferem aguardar pelas explicações. Outros assumiram desde já uma decisão, com base na interpretação que fazem da lei e dos factos.

"Fiz uma exposição ao instituto, com conhecimento para a Ordem dos Advogados", explica Laura Coelho. "A minha intenção é não pagar nada." Além de considerar "completamente ridículo" que só agora o problema tenha sido levantado, a advogada lembra que o IGFIJ paga sempre tarde e a más horas. "Dizem que estão a agir de acordo com a lei, mas são os primeiros a infringir", aponta.

A portaria n.o 10/2008 permite ao instituto tomar a iniciativa de promover, sempre que considere necessário, auditorias ao sistema de patrocínio oficioso.



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